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O DIREITO À VIDA

Morte materna evitável é uma questão de direitos humanos.
Sandra Valongueiro, 2013, professora de pós- graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco
[...] trata-se de desenvolvimento e de direitos humanos – do direito à vida. Precisamos monitorar mais determinantes sociais que impactam essa mortalidade, a qualidade da atenção, assegurar e cumprir direitos. É um imperativo moral, ético e legal pelos compromissos assumidos pela sociedade e pelo governo para garantir o direito à vida.
Sônia Lansky, 2013, coordenadora do Comitê de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil da Secretaria Municipal de Belo Horizonte

Os trechos acima sintetizam as razões pelas quais se deve reduzir a mortalidade materna e infantil, um dos maiores problemas do mundo a ser enfrentado com vistas à promoção do desenvolvimento social e humano e à superação das iniquidades entre regiões do mundo. Um marco político para a busca de redução da pobreza e para garantir o direito humano fundamental – a Vida.

Já a mortalidade fetal, embora apresente alta magnitude e situação de dor para a família e a sociedade, não é definida como um problema mundial a ser enfrentado, como a mortalidade materna e infantil, e pouco conta na agenda das políticas públicas de saúde.

DADOS E CONTEXTO

O Brasil avançou desde que se comprometeu com as Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas, reduzindo a razão de morte materna em cerca de 50% de 1990 a 2015. No entanto, o desafio permanece: a meta pactuada, de 75%, não foi alcançada.

Razão de mortalidade materna (por 100.000 nascidos vivos).
61,85 58,44 52,51 54,01 56,14 58,17 67,29 59,25 62,95 63,53 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Fonte: BRASIL (2015a; 2015b).

Progressos atribuídos tanto às mudanças favoráveis nos determinantes sociais em saúde quanto aos avanços na área da saúde da criança, permitiram o alcance da meta de redução da mortalidade infantil em dois terços.

Taxa de mortalidade infantil (por 1000 nascidos vivos).
31,17 27,7 24,87 22,49 20,37 18,62 16,8 15,27 13,4 12,4 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Fonte: BRASIL (2015a; 2015b).
Taxa de mortalidade fetal (por 1000 nascimentos).
4,3 6,1 9,9 9,8 9,4 9,6 9,8 10,9 10,8 10,8 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Fonte: BRASIL (2015a; 2015b).

Em contraste com a trajetória da mortalidade infantil, a tendência de aumento da taxa de mortalidade fetal pode ser atribuída à melhoria na cobertura e na qualidade do registro de morte fetal.

A melhoria na qualidade dos dados de óbitos, não só o fetal, como o infantil e sobretudo o materno, permanece na agenda atual como um dos desafios a serem superados para o adequado acompanhamento desses indicadores da qualidade de atenção à saúde e das condições socioeconômicas da população.

Outra questão a ser enfrentada é o registro incorreto e incompleto dos óbitos maternos no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). “Se uma mulher que tem o bebê hoje tem uma complicação e morre daqui a trinta dias no mesmo hospital, corre o risco daquela causa não ser declarada como materna. Porque ela morre de pneumonia ou de outra coisa.” (Sônia Lansky, 2015, coordenadora do Comitê de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil da Secretaria de Belo Horizonte).

[...] o monitoramento dos avanços alcançados da razão de mortalidade materna tem sido problemático, decorrente das dificuldades de obter dados necessários à mensuração da mortalidade materna com grau satisfatório de confiabilidade.
Célia Landmann, 2015, pesquisadora do Icict.

Os números de óbitos maternos, infantis e fetais geram ainda maior preocupação quando se constata que um percentual expressivo dessas mortes ocorre por causas evitáveis São consideradas mortes por causas evitáveis aquelas em que os conhecimentos e tecnologias existentes permitem intervenções eficazes de modo que tais causas jamais ou raramente evoluam a óbito. . Como a possibilidade de controle sobre a ocorrência de tais óbitos concentra-se na capacidade de atuação do serviço de saúde, estes são definidos como eventos-sentinela da qualidade da atenção médica e do sistema de saúde.

Esse cenário chama a atenção para problemas no sistema de saúde brasileiro, sobretudo na assistência ao parto e ao nascimento. Dados do Ministério da Saúde revelam cobertura pré-natal maior que 90% e a realização de 98% de partos hospitalares. Esses dados, no entanto, não expressam possíveis lacunas na articulação entre os níveis de atenção que compõem a linha de cuidados à gestante e ao recém-nascido, na disponibilidade de tecnologia e na qualificação profissional.

Contribuem para a manutenção das barreiras para a sobrevivência e o bem-estar de mulheres e de seus filhos:

  • acesso desigual aos serviços de saúde;
  • demora na identificação e manejo das complicações relacionadas à gestação, ao parto e ao nascimento;
  • uso excessivo de intervenções;
  • pobreza e baixa escolaridade.

O risco de mortes infantis, maternas e fetais por grandes regiões do Brasil explicitam desigualdades sociais e étnico-raciais que ocorrem em nossa sociedade, especialmente concentradas nas populações mais vulneráveis – negra, indígena e pobre.

óbitos infantis em 2015

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óbitos infantis em 2015
óbitos maternos em 2015
óbitos fetais em 2015
óbitos infantis em 2015
óbitos maternos em 2015
óbitos fetais em 2015

O papel da vigilância é essencial para nortear a atuação dos profissionais nos diferentes serviços de saúde e para desenvolver medidas de prevenção e controle, porque possibilita compreender as circunstâncias em que ocorreram os óbitos, permitindo fazer recomendações de forma a evitar novos óbitos. As ações de vigilância contribuem para o planejamento, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde.

Para fazer cumprir as metas pactuadas de redução da mortalidade materna, infantil e fetal, o Ministério da Saúde priorizou várias iniciativas, dentre elas, o Programa de Formação em Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal e Atuação em Comitês de Mortalidade em todas as regiões geográficas do país, especialmente, nos municípios, localizados no Nordeste e na Amazônia Legal.

Merece destaque a estratégia da Rede Cegonha que visa à implementação de uma rede de cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, assim como garantir às crianças o direito ao nascimento seguro e crescimento e desenvolvimento saudáveis até dois anos. Esta iniciativa, pautada na ótica da integralidade do cuidado, fortalece a ideia do trabalho coordenado e integrado entre a vigilância e assistência à saúde, condição indispensável para o desenvolvimento de ações efetivas para a redução da mortalidade materna, infantil, fetal e neonatal.

A permanência da taxa de mortalidade materna e infantil entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 2015 até 2030, enfatiza que o combate à mortalidade materna e infantil se mantém no centro da agenda global.

UNIÃO DE FORÇAS PARA UM GRANDE DESAFIO

A demanda para a realização do curso surgiu da Coordenação-Geral da Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde (CGSM/MS), inicialmente centrada no fortalecimento dos Comitês de Mortalidade Materna, com foco na saúde materna e perinatal. Um dos objetivos era sensibilizar e qualificar profissionais e representantes da sociedade civil organizada para o tema, ampliando a possibilidade de participação nos comitês.

A Fiocruz foi identificada para o desenvolvimento do curso por sua relevante contribuição no tema “Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente”, em ações de ensino, assistência e pesquisa, nas unidades técnico-científicas Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e Instituto Fernandes Figueira (IFF), e por sua possibilidade de articulação intra e interinstitucional.

A escolha da Coordenação de Educação a Distância da ENSP foi estratégica, considerando a experiência consolidada em processos formativos a distância para a implementação/fortalecimento das políticas públicas e o potencial da modalidade de capilarização em todo o território nacional.

Paralelamente, as ações de vigilância dos óbitos materno, infantil e fetal, sob a responsabilidade da Coordenação Geral de Informação e Análise Epidemiológica (CGIAE), foram regulamentadas pela Portaria n. 1119 de 5 de junho de 2008 e Portaria n. 72 de 11 de janeiro de 2010, tornando necessária a ampliação do escopo da ação educativa e favorecendo a integração entre as áreas de atuação dessa coordenação e da CGSM.

A importância do trabalho conjunto entre vigilância e comitês gerou rediscussão da demanda do curso e, consequentemente, a construção do Programa de Formação em Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal e Atuação em Comitês de Mortalidade, constituído por dois cursos de qualificação profissional: um em nível de atualização e o outro, de aperfeiçoamento.

O curso, quando incorpora e viabiliza a ideia da complementaridade entre o papel da investigação e da vigilância e o papel dos comitês de mortalidade, torna-se ainda mais forte e necessário. [...] A ENSP, a EAD, o Fernandes Figueira e a Escola Politécnica se associaram nessa parceria com o Ministério da Saúde, para fazer o curso virar realidade, tendo aí os parceiros do MS, tanto da área da mulher, da criança e do adolescente, como também o pessoal da secretaria de vigilância. Uma equipe gigantesca!
Marcos Augusto Bastos Dias, 2013, professor da pós- graduação em Saúde da Mulher e da Criança do Instituto Fernandes Figueira e membro da coordenação do Programa de Formação em Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal e Atuação em Comitês de Mortalidade.

EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIAS

A educação a distância na ENSP/Fiocruz é compreendida como um modo de fazer educação e formação profissional em saúde, em uma perspectiva crítica e emancipadora.

A modalidade utiliza-se de recursos didáticos sistematicamente organizados em linguagem própria, apresentados em diferentes suportes tecnológicos de informação e comunicação – material didático e ambiente virtual de aprendizagem, entre outros –, com o propósito de favorecer a aprendizagem, a interação entre os sujeitos e a mediação pedagógica na construção do conhecimento, buscando atender às diferentes necessidades de inclusão e participação.

A aposta é em uma educação que supere as distâncias historicamente construídas e favoreça a formação de trabalhadores como um processo humanizado e como prática social, construída por meio da participação, do diálogo e dos significados produzidos entre os sujeitos. As estratégias pedagógicas atuam de forma colaborativa na superação de “distâncias” (físicas, geográficas, culturais, sociais, políticas e econômicas), visando alcançar a todos e promover a formação em saúde como um direito.

Há quase 20 anos era uma ousadia pensar em processos educativos a distância. Hoje, a educação a distância é uma trajetória consolidada, que nos permite estabelecer parcerias deste nível e contribuir efetivamente para a formação dos profissionais que estão no SUS.
Lúcia Dupret, coordenadora da EAD/ENSP da Fiocruz, na ocasião do desenvolvimento dos cursos

A modalidade de educação a distância possibilitou o cumprimento de metas do programa, a formação e qualificação de profissionais envolvidos nas ações de vigilância do óbito e comitês de mortalidade, contribuindo para a democratização do acesso a uma formação profissional de relevância social. Promoveu o encontro entre teoria e prática, formação e serviço; propiciou a reflexão crítica, questionadora e problematizadora para a transformação das práticas em saúde. Além disso, reconheceu a diversidade cultural, local e pessoal para dialogar e incluir os diversos trabalhadores, situados nos mais diferentes locais, de modo que o acesso à internet não fosse um fator de exclusão.

A participação da EAD/ENSP nessa construção favoreceu a articulação e a integração dos diferentes parceiros intra e interinstitucionais, promovendo um processo participativo desde a concepção do programa até a finalização, envolvendo vários atores, em diferentes momentos.

Todo o processo – até o início dos cursos propriamente dito – expressa a engenharia de relações, etapas e dimensões envolvidas na oferta de um programa de formação a distância dentro da proposta educativa da EAD/ENSP. Conforma-se uma rede de atores diversos que interagem em prol de um projeto tecido a várias mãos, que busca cumprir com a missão de formação de profissionais de saúde com qualidade pedagógica, comprometidos com o SUS e com a saúde como direito.
Henriette dos Santos, 2017, assessora pedagógica EAD/ENSP.

CONSTITUIÇÃO DA COORDENAÇÃO

A concepção e coordenação do programa ficaram sob a responsabilidade do Grupo de Pesquisa da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente da ENSP, em parceria com o Instituto Nacional da Saúde da Mulher e da Criança Fernandes Figueira (IFF) e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), associados à Coordenação de Educação a Distância (EAD) da ENSP. Essa conjugação de diferentes perspectivas e áreas de conhecimento proporcionou a união de esforços para um objetivo em comum.

A coordenação do curso e a assessoria pedagógica uniram esforços com mais de 100 profissionais de diferentes áreas: educação; epidemiologia; saúde da mulher, da criança e do adolescente; saúde coletiva; design; informática; administração, entre outras, para que os encontros, as discussões e as oficinas pudessem trazer subsídios à formulação das propostas para o desenvolvimento do programa.

Com a coordenação constituída, e fortalecida com a integração intra e interinstitucional, foi possível enfrentar o grande desafio de ofertar 4 mil vagas em todo o país, sendo 70% nas regiões Norte e Nordeste.

A seguir será detalhado o processo de construção e execução do programa: De uma ideia à concretização.