[...] trata-se de desenvolvimento e de direitos humanos – do direito à vida. Precisamos monitorar mais determinantes sociais que impactam essa mortalidade, a qualidade da atenção, assegurar e cumprir direitos. É um imperativo moral, ético e legal pelos compromissos assumidos pela sociedade e pelo governo para garantir o direito à vida.
Sônia Lansky, 2013, coordenadora do Comitê de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil da Secretaria Municipal de Belo Horizonte
Os trechos acima sintetizam as razões pelas quais se deve reduzir a mortalidade materna e infantil, um dos maiores problemas do mundo a ser enfrentado com vistas à promoção do desenvolvimento social e humano e à superação das iniquidades entre regiões do mundo. Um marco político para a busca de redução da pobreza e para garantir o direito humano fundamental – a Vida.
Já a mortalidade fetal, embora apresente alta magnitude e situação de dor para a família e a sociedade, não é definida como um problema mundial a ser enfrentado, como a mortalidade materna e infantil, e pouco conta na agenda das políticas públicas de saúde.
DADOS E CONTEXTO
O Brasil avançou desde que se comprometeu com as Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas, reduzindo a razão de morte materna em cerca de 50% de 1990 a 2015. No entanto, o desafio permanece: a meta pactuada, de 75%, não foi alcançada.
Razão de mortalidade materna (por 100.000 nascidos vivos).
Fonte: BRASIL (2015a; 2015b).
Progressos atribuídos tanto às mudanças favoráveis nos determinantes sociais em saúde quanto aos avanços na área da saúde da criança, permitiram o alcance da meta de redução da mortalidade infantil em dois terços.
Taxa de mortalidade infantil (por 1000 nascidos vivos).
Fonte: BRASIL (2015a; 2015b).
Taxa de mortalidade fetal (por 1000 nascimentos).
Fonte: BRASIL (2015a; 2015b).
Em contraste com a trajetória da mortalidade infantil, a tendência de aumento da taxa de mortalidade fetal pode ser atribuída à melhoria na cobertura e na qualidade do registro de morte fetal.
A melhoria na qualidade dos dados de óbitos, não só o fetal, como o infantil e sobretudo o materno, permanece na agenda atual como um dos desafios a serem superados para o adequado acompanhamento desses indicadores da qualidade de atenção à saúde e das condições socioeconômicas da população.
Outra questão a ser enfrentada é o registro incorreto e incompleto dos óbitos maternos no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). “Se uma mulher que tem o bebê hoje tem uma complicação e morre daqui a trinta dias no mesmo hospital, corre o risco daquela causa não ser declarada como materna. Porque ela morre de pneumonia ou de outra coisa.” (Sônia Lansky, 2015, coordenadora do Comitê de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil da Secretaria de Belo Horizonte).
[...] o monitoramento dos avanços alcançados da razão de mortalidade materna tem sido problemático, decorrente das dificuldades de obter dados necessários à mensuração da mortalidade materna com grau satisfatório de confiabilidade.
Célia Landmann, 2015, pesquisadora do Icict.
Os números de óbitos maternos, infantis e fetais geram ainda maior preocupação quando se constata que um percentual expressivo dessas mortes ocorre por
causas evitáveis
São consideradas mortes por causas evitáveis aquelas em que os conhecimentos e tecnologias existentes permitem intervenções eficazes de modo que tais causas jamais ou raramente evoluam a óbito.
. Como a possibilidade de controle sobre a ocorrência de tais óbitos concentra-se na capacidade de atuação do serviço de saúde, estes são definidos como eventos-sentinela da qualidade da atenção médica e do sistema de saúde.
Esse cenário chama a atenção para problemas no sistema de saúde brasileiro, sobretudo na assistência ao parto e ao nascimento. Dados do Ministério da Saúde revelam cobertura pré-natal maior que 90% e a realização de 98% de partos hospitalares. Esses dados, no entanto, não expressam possíveis lacunas na articulação entre os níveis de atenção que compõem a linha de cuidados à gestante e ao recém-nascido, na disponibilidade de tecnologia e na qualificação profissional.
Contribuem para a manutenção das barreiras para a sobrevivência e o bem-estar de mulheres e de seus filhos:
acesso desigual aos serviços de saúde;
demora na identificação e manejo das complicações relacionadas à gestação, ao parto e ao nascimento;
uso excessivo de intervenções;
pobreza e baixa escolaridade.
O risco de mortes infantis, maternas e fetais por grandes regiões do Brasil explicitam desigualdades sociais e étnico-raciais que ocorrem em nossa sociedade, especialmente concentradas nas populações mais vulneráveis – negra, indígena e pobre.
óbitos infantis em 2015
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óbitos infantis em 2015
óbitos maternos em 2015
óbitos fetais em 2015
óbitos infantis em 2015
óbitos maternos em 2015
óbitos fetais em 2015
O papel da vigilância é essencial para nortear a atuação dos profissionais nos diferentes serviços de saúde e para desenvolver medidas de prevenção e controle, porque possibilita compreender as circunstâncias em que ocorreram os óbitos, permitindo fazer recomendações de forma a evitar novos óbitos. As ações de vigilância contribuem para o planejamento, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde.
Para fazer cumprir as metas pactuadas de redução da mortalidade materna, infantil e fetal, o Ministério da Saúde priorizou várias iniciativas, dentre elas, o Programa de Formação em Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal e Atuação em Comitês de Mortalidade em todas as regiões geográficas do país, especialmente, nos municípios, localizados no Nordeste e na Amazônia Legal.
Merece destaque a estratégia da Rede Cegonha que visa à implementação de uma rede de cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, assim como garantir às crianças o direito ao nascimento seguro e crescimento e desenvolvimento saudáveis até dois anos. Esta iniciativa, pautada na ótica da integralidade do cuidado, fortalece a ideia do trabalho coordenado e integrado entre a vigilância e assistência à saúde, condição indispensável para o desenvolvimento de ações efetivas para a redução da mortalidade materna, infantil, fetal e neonatal.
A permanência da taxa de mortalidade materna e infantil entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 2015 até 2030, enfatiza que o combate à mortalidade materna e infantil se mantém no centro da agenda global.
UNIÃO DE FORÇAS PARA UM GRANDE DESAFIO
A demanda para a realização do curso surgiu da Coordenação-Geral da Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde (CGSM/MS), inicialmente centrada no fortalecimento dos Comitês de Mortalidade Materna, com foco na saúde materna e perinatal. Um dos objetivos era sensibilizar e qualificar profissionais e representantes da sociedade civil organizada para o tema, ampliando a possibilidade de participação nos comitês.
A Fiocruz foi identificada para o desenvolvimento do curso por sua relevante contribuição no tema “Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente”, em ações de ensino, assistência e pesquisa, nas unidades técnico-científicas Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e Instituto Fernandes Figueira (IFF), e por sua possibilidade de articulação intra e interinstitucional.
A escolha da Coordenação de Educação a Distância da ENSP foi estratégica, considerando a experiência consolidada em processos formativos a distância para a implementação/fortalecimento das políticas públicas e o potencial da modalidade de capilarização em todo o território nacional.
Paralelamente, as ações de vigilância dos óbitos materno, infantil e fetal, sob a responsabilidade da Coordenação Geral de Informação e Análise Epidemiológica (CGIAE), foram regulamentadas pela Portaria n. 1119 de 5 de junho de 2008 e Portaria n. 72 de 11 de janeiro de 2010, tornando necessária a ampliação do escopo da ação educativa e favorecendo a integração entre as áreas de atuação dessa coordenação e da CGSM.
A importância do trabalho conjunto entre vigilância e comitês gerou rediscussão da demanda do curso e, consequentemente, a construção do Programa de Formação em Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal e Atuação em Comitês de Mortalidade, constituído por dois cursos de qualificação profissional: um em nível de atualização e o outro, de aperfeiçoamento.
O curso, quando incorpora e viabiliza a ideia da complementaridade entre o papel da investigação e da vigilância e o papel dos comitês de mortalidade, torna-se ainda mais forte e necessário. [...] A ENSP, a EAD, o Fernandes Figueira e a Escola Politécnica se associaram nessa parceria com o Ministério da Saúde, para fazer o curso virar realidade, tendo aí os parceiros do MS, tanto da área da mulher, da criança e do adolescente, como também o pessoal da secretaria de vigilância. Uma equipe gigantesca!
Marcos Augusto Bastos Dias, 2013, professor da pós- graduação em Saúde da Mulher e da Criança do Instituto Fernandes Figueira e membro da coordenação do Programa de Formação em Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal e Atuação em Comitês de Mortalidade.
EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIAS
A educação a distância na ENSP/Fiocruz é compreendida como um modo de fazer educação e formação profissional em saúde, em uma perspectiva crítica e emancipadora.
A modalidade utiliza-se de recursos didáticos sistematicamente organizados em linguagem própria, apresentados em diferentes suportes tecnológicos de informação e comunicação – material didático e ambiente virtual de aprendizagem, entre outros –, com o propósito de favorecer a aprendizagem, a interação entre os sujeitos e a mediação pedagógica na construção do conhecimento, buscando atender às diferentes necessidades de inclusão e participação.
A aposta é em uma educação que supere as distâncias historicamente construídas e favoreça a formação de trabalhadores como um processo humanizado e como prática social, construída por meio da participação, do diálogo e dos significados produzidos entre os sujeitos. As estratégias pedagógicas atuam de forma colaborativa na superação de “distâncias” (físicas, geográficas, culturais, sociais, políticas e econômicas), visando alcançar a todos e promover a formação em saúde como um direito.
Há quase 20 anos era uma ousadia pensar em processos educativos a distância. Hoje, a educação a distância é uma trajetória consolidada, que nos permite estabelecer parcerias deste nível e contribuir efetivamente para a formação dos profissionais que estão no SUS.
Lúcia Dupret, coordenadora da EAD/ENSP da Fiocruz, na ocasião do desenvolvimento dos cursos
A modalidade de educação a distância possibilitou o cumprimento de metas do programa, a formação e qualificação de profissionais envolvidos nas ações de vigilância do óbito e comitês de mortalidade, contribuindo para a democratização do acesso a uma formação profissional de relevância social. Promoveu o encontro entre teoria e prática, formação e serviço; propiciou a reflexão crítica, questionadora e problematizadora para a transformação das práticas em saúde. Além disso, reconheceu a diversidade cultural, local e pessoal para dialogar e incluir os diversos trabalhadores, situados nos mais diferentes locais, de modo que o acesso à internet não fosse um fator de exclusão.
A participação da EAD/ENSP nessa construção favoreceu a articulação e a integração dos diferentes parceiros intra e interinstitucionais, promovendo um processo participativo desde a concepção do programa até a finalização, envolvendo vários atores, em diferentes momentos.
Todo o processo – até o início dos cursos propriamente dito – expressa a engenharia de relações, etapas e dimensões envolvidas na oferta de um programa de formação a distância dentro da proposta educativa da EAD/ENSP. Conforma-se uma rede de atores diversos que interagem em prol de um projeto tecido a várias mãos, que busca cumprir com a missão de formação de profissionais de saúde com qualidade pedagógica, comprometidos com o SUS e com a saúde como direito.
Henriette dos Santos, 2017, assessora pedagógica EAD/ENSP.
CONSTITUIÇÃO DA COORDENAÇÃO
A concepção e coordenação do programa ficaram sob a responsabilidade do Grupo de Pesquisa da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente da ENSP, em parceria com o Instituto Nacional da Saúde da Mulher e da Criança Fernandes Figueira (IFF) e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), associados à Coordenação de Educação a Distância (EAD) da ENSP. Essa conjugação de diferentes perspectivas e áreas de conhecimento proporcionou a união de esforços para um objetivo em comum.
A coordenação do curso e a assessoria pedagógica uniram esforços com mais de 100 profissionais de diferentes áreas: educação; epidemiologia; saúde da mulher, da criança e do adolescente; saúde coletiva; design; informática; administração, entre outras, para que os encontros, as discussões e as oficinas pudessem trazer subsídios à formulação das propostas para o desenvolvimento do programa.
Com a coordenação constituída, e fortalecida com a integração intra e interinstitucional, foi possível enfrentar o grande desafio de ofertar 4 mil vagas em todo o país, sendo 70% nas regiões Norte e Nordeste.